terça-feira, 30 de novembro de 2010

BREVE

paulo vieira by d'arcy albuquerque

poema escrito minutos antes de um sonho

abreviamos a margem do rio e o rio vira mar.
mais curta, oculta, a margem se retira
por baixo de nossas rodas, pneus sulcados,
que somos máquinas, tratores atolados,
enquanto a morte corre nas plantas
de todos os pés, o mar

anda                         para
 todo         lado
 lodo

salsugem no fundo reunida até que,
num passe de água, cartilagem dura
se torna a armadura dos tubarões.
abreviamos a margem do rio
e o mar toma suas dores
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poema inédito de paulo vieira

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

RECOMPENSA

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foi ontem, na ufpa, ao sol da manhã, recebi meu presente de aniversário antecipado. e não lembro de alguma vez ter recebido presente melhor. fiquei um pouco sem graça, e nem preciso confessar, era possível ver na minha cara. como a amiga, já de mais de meia década, a poeta e professora giselle ribeiro constatou talvez com espanto, pois para ela sempre fui o “menino apresentado” como dizia a velhavó, alzira. e giselle tem razão, não recordo de uma vez sequer que o tema em nossa pequena roda de amigos, de um jeito ou de outro, não fosse a poesia falada.

confesso agora: até mesmo eu me espantei desse “não saber bem o que dizer”. é que diante do auditório lotado, contagiado pela alegria desses estudantes maravilhosos, pela sua juventude, pela infância trazida de volta, naquela tarefa deles que mais parecia um compromisso puro e simples com o prazer e a procura de sentido e conforto para a vida, contagiado por tudo isso eu ficava me dizendo: “nossa! o pablo tinha que ver isso... e também a mãe do pablo e também o meu pai, cujo rosto se apagou em qualquer verso que nunca acertei escrever...”.

queria que essas pessoas pudessem enxergar nesses dias difíceis como é digno o meu trabalho, como é valioso e importante, ainda que sob o sol de hoje cifrões sejam convertidos em estrelas. queria que eles vissem e reconhecessem isso, não que eles não reconheçam de alguma forma, mas a dureza e a aspereza dos dias enrijece tudo em volta, e às vezes eu mesmo preciso lembrar de acreditar nisso: a poesia é o chão de um quintal onde me escondo a desenhar declarações de amor pela família, pela cidade, pelas árvores, rios, amigos e outros bichos.

me lembro que certa vez, num sarau, um escritor que respeito muito botou a mão no meu ombro, e meu coração estava quase saindo pela boca, porque já era a minha vez de dizer poema, e o poema que eu planejava era de f. pessoa, um poemaço! daí, com a mão no meu ombro ele disse “rapaz, ser poeta é ser menos poeta...”. achou que eu estava me exibindo, e de certo modo eu também achei o mesmo. aquilo me deixou tonto, fui falar já meio desinteressado. e saí pensando que era demais, então, escrever os versos e ainda falar poemas, saí pensado isso e outras tolices. não parei de dizer poemas, mas passei a evitar dizer ao menos os meus em público.

é um mero acaso eu escrever poemas e também, como rapsodo, dizê-los, faço essas duas coisas simplesmente porque me sinto obrigado a fazê-las. é meu dever, intransferível. é o que eu diria hoje ao admirável escritor.

mas que bom: giselle tanto insistiu comigo para, como nos velhos tempos, ouvir os poemas, que acabei me tornando ontem de manhã, cheio de honra, mais um daqueles estudantes felizes. é isso: ontem eu fui um estudante feliz.

ah, e para o leitor cult, o intelectual dos manuais, que ao fim desse texto pode estar pensando coisas como "quanta sentimentalidade, poesia não é isso!" e blá blá blá. concordo, isso aqui não é poesia, não. poesia foi ontem de manhã...












iv sarau de poesia
'de negrume o besouro brilha'
estudantes de letras da ufpa
disciplina teoria do texto poético
idealização: prof. giselle ribeiro
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(o sarau foi baseado nos livros 'infância vegetal' (2004),
'orquídeias anarquistas' (2007) e 'retruque' (2010) de paulo vieira)

domingo, 21 de novembro de 2010

DOMINGO GLACIAL

a paisagem não mais vista da janela by paulo vieira



vazio por todo lado

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solidão é uma casca
recheada de vazio

que a certa altura explode
e seu conteúdo expande

empurra para longe
coisas de ontem
e coisas de ante
ontem para
mais longe

por não haver
espaço ao passado
onde impera e vaza
vazio por todo lado

envoy:

desgraçada a poesia
(o amor os dias)
fadada a torpe
rito

represar
rio
extinto

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sexta-feira, 19 de novembro de 2010

DEPOIS DE LER FRANCIS BACON

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a maldição das fadas


fada é uma bruxa mais recatada
ou cheia de vícios vilezas feitiços?
brilhantes vestidos de zinco e seda
ciumentos elfos libélulas negras

trouxe consigo, da infância, pequeno
séquito de fadas, em sereno banhadas,

mas vendo que quanto mais o remiam
mais tristes, cansadas, elas pareciam
achou por bem mandá-las de volta

tamanha desfeita, pensaram as fadas,
nas faces fervia beleza e revolta
se foram mas pouco antes lançaram
sinistro castigo ao tolo infante

daquele ingrato dia em diante
quem ele amasse com mais fervor
também o amaria com mesmo amor

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poema inédito de paulo vieira

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

SARAU SOBRE MEUS POEMAS NA UFPa

vieiranembeira by giselle ribeiro



IV Recital de Poesia da UFPA
de negrume o besouro brilha

Idealização: Profa. Giselle Ribeiro

Realização: Alunos de Teoria do Texto Poético

Dia: 24 de novembro - 11:00h

No auditório do bloco K-básico - Ufpa




aproveito e trago para cá o bonito texo-homenagem (originalmente publicado em, http://giselle-ribeiro-aprendiz-de-poeta.blogspot.com/) que me fez a poeta e professora giselle ribeiro após a leitura do livro mais recente, retruque.


Eu ouvi dizer que nos Estados Unidos tem homem-bomba. Eu ouvi dizer que pregos, bolinhas de ferro e pedaços de vidro são embalados junto com a massa explosiva e formam o modelo da jaqueta do homem-bomba. Eu ouvi dizer que a hemorragia causada pelos estilhaços mata mais que o impacto da explosão de um homem-bomba. Eu ouvi dizer que um homem-bomba acredita que está fazendo a coisa certa. Eu ouvi dizer que o homem-bomba pensa que veio ao mundo para limpar a terra da sujeira humana. Eu ouvi dizer que o homem-bomba avança contra a linha de batalha do inimigo. Eu ouvi dizer que os Estados Unidos são os principais fabricantes do C-4, o explosivo plástico que o homem-bomba veste em seu desfile final. Eu ouvi dizer que um homem-bomba consegue ferir pessoas em um raio de até duzentos metros. Eu ouvi dizer que o homem-bomba é também suicida, diz adeus em meio à multidão e saí da linha da vida. E de negrume o besouro brilha...

Eu ouvi dizer que na cidade de Feliz Lusitânia tem homem-poesia. Eu ouvi dizer que de dentro da sua jaqueta saem lesmas, saem facas de duas pontas, pescoço de galo esticado e um osso emendado. Saem ruas sem cor ou corola. Eu ouvi dizer que ele tem olho que tudo vê e quando morde, morde sem dente para a dor se fingir de não doer. Eu ouvi dizer que sendo manhã, noite ou tarde ele escreve para além do que lhe arde. E de dentro da sua jaqueta explode um grito, grito de não matar. Um grito que mais parece, um grito de acordar. 

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giselle ribeiro.

sábado, 6 de novembro de 2010

Ê... FUCÃO!

saindo de casa pra fazer o show retruque retoque em julho, 2010, by sueyla tavares
um patrocínio: fundação kanashiro.

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