quarta-feira, 29 de outubro de 2008

SANGUE SANGUE SANGUE...


filado da tia net


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SANGUINOLENCIA NEWS



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Num jornal da cidade. Foto de primeira folha: Um cara morto, nu, ensangüentado, amarrado a um poste da iluminação pública, com o verbo duro escrito sobre a cabeça mutilada ‘ESTRUPADOR’. Olhei bem pra cara do cara na manchete, e sua fotinha, de cabelos penteados, na carteira de identidade, com os dentes ainda inteiros, reproduzida a um canto do jornal. Mas não foi sequer um espanta sono para o dia do belenense. O mané foi linchado e esfolado, me disse o porteiro do prédio. E de repente notei que tem muito repórter policial por aí. Uns quantos. São anômimos e sabem sempre o que renderia uma boa primeira página. A imprensa os desconhece, mas eles conhecem a imprensa, compram o jornal de manhã, dormem sonhando com terçados, tripas espalhadas na piçarra, mulheres com os peitos arrancados, ratos roendo pedaços de cérebro horas depois de um acidente. O leitor por estas bandas é um repórter profissional e perverso. Planeja tudo o que vai encontrar pela manhã na banca do seu João repórter jornaleiro. Confirma cada litro de sangue espalhado pela madrugada fértil, com um cafezinho no bico. As senhoras repórteres se distraem de passagem. Os meninos repórteres indo para a escola estancam em frente à banca, e um aponta a foto dizendo ao irmão Olha aqui, se você ficar me enchendo na sala de aula, vou te deixar igual a esse aqui, e ambos caem na gargalhada e a mãe repórter ri junto. O motorista repórter de ônibus dá uma paradinha na banca Ô seu João, muita carne hoje? e seu João repórter jornaleiro balança a cabeça assinalando um sinistro sim. Estou cercado. São todos repórteres e toda notícia é fria. Quêde trauma e nervosismo? Quêde espanto de manhã? A notícia é recebida pelos repórteres leitores com tédio. Todos teriam uma versão ainda mais cabeluda para contar. O flanelinha repórter propõe outra reconstituição mais sangrenta, a atendente repórter da farmácia pensa em tortura com tarja preta, o açougueiro repórter (esse duas vezes açougueiro, ou duas vezes repórter?) planeja um esquartejamento detalhado, no maior número de pedaços possível, coisa de guinnes. Vejo maus repórteres e repórteres maus por todos os lados. Por onde ando me sinto assaltante e assaltado, assassino e assassinado. E mais tarde a noite me cobrirá com seus coágulos de sangue enormes.


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texto inédito de paulo vieira


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quarta-feira, 22 de outubro de 2008

cotidianamente

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guamargo

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uma da tarde
intra texto all
in front of
a rua, varal
de roupas
ensombradas
de fora a fora
como quintal
na frente
da casa


da sala
a velha
vigia
as vestes
through
the window

que o
bairro
é foda


genro
filha
netos
por trás
de favor
na puxada
esburacada

àrvore
de tabuas
copa de
lonazul

ervas
sobem
nas pernas
do berço

pendido
no prego
o terço
estremece
ao compasso
do coito
e da fome
enorme

na sala
a velha
finge que
dorme

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poema inédito de paulo vieira

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segunda-feira, 20 de outubro de 2008

então, pronto!

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ASSEMBLÉIA DE URUBUS


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do que é que eles estão calando? assembléia de urubus em belém, na vieux urbe. hiléia plena de calçadas gelatinosas, amarelo ocre. tomei entre os dedos aquele poema épico e rasguei ali mesmo, em frente à porta marrom do rio guamargo. não queimei - ausência de combustível - mas fiz picadinho. e guardei segredo sobre o autor. não há uma só rua estéril em cidade alguma, mesmo na très petite le vieux mans, au nord de la france, a coisa toda pode acontecer. e eu que pensava não haver desordem onde o silêncio da fazendinha assinala o cinéma fermé. os bichos são outros, mas as assembléias persistem: cangurus na austrália, tigres de bengala no nepal, ornitorrincos na tasmânia ou bodes no ceará. aqui ou em qualquer outro lugar sorteado no atlas astral. ou melhor, marcado pelo bico de uma bic naquele globo terráqueo que o menino sonhara (30 cm de diâmetro), posto encima da mesinha da sala, em tácito acordo com o chão de tacos na cor tabaco. quinta hora, sexta feira, encerram-se os trabalhos. a assembléia de urubus em belém entra em recesso.


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poema inédito de paulo vieira