quinta-feira, 29 de julho de 2010

RETRUQUE RETOQUE - NOVA CRÍTICA

Liberdade e música às palavras amotinadas

Por Edson Coelho de Oliveira *


“O oceano desperta magmas ressentidos (...) a morte mais reúne do que aparta (...) escolhe morrer de noite e não haverá espanto (...) um tanque de guerra de nuvem não consegue desviar de crianças (...) o chão não desperdiça seus mortos”.

Estes versos do paraense Paulo Vieira, num poema sem título (apenas com uma epígrafe de William Blake, para dar o crédito à influência dos “Provérbios do inferno”, do poeta inglês), cobrem um tema, a morte, caro à obra de Paulo Vieira que ganha especial importância no livro novo, “Retruque”, a ser lançado às 20h de hoje no Margarida Schivasappa (Centur).

O livro, premiado com a Bolsa Funarte de Criação Literária 2009, teve poemas musicados pelo também paraense Henry Burnett e será lançado com um CD encartado. Do lançamento faz parte um show de Henry com a banda Clepsidra e participação de Paulo declamando. Ingresso a R$ 10.

No prefácio ao livro, o professor Benedito Nunes nota que Paulo se movimenta pelo terrível “intervalo entre escrever e viver”, desafio que só é possível vencer pela forma. Benedito Nunes também ressalta que Paulo passeia por uma Belém pobre e de expostas mazelas, o que constitui um aprofundamento de um tema apenas insinuado nos livros anteriores do poeta e cronista, todos premiados.

“Retruque” também marca a volta de Paulo Vieira ao soneto, fortemente presente no livro “Infância vegetal”, deixado de lado em “Orquídeas Anarquistas” e agora retomado com maturidade e força, sobre temas como a própria poesia, o amor e o sexo (talvez o principal tema do poeta), a morte, o tempo e a memória, outro tema recorrente.

Como destacou ainda Benedito Nunes, um dos principais méritos do poeta Paulo na elaboração dos sonetos (soneto, hoje, é uma escolha a que é preciso se sobreviver, esteticamente) é o encadeamento dos versos, os enjabements.

Noutras palavras, é preciso vencer a discursividade para se atingir a densidade inerente à poesia. E não custa repetir que a linguagem é que é o cabo das tormentas a ser esticado, e Paulo se revela de fato um poeta de valor em sonetos como “bagagem merencória”, o melhor poema do livro, e “idiomas esquecidos”, que casam “conteúdo”, “discurso”, “sentimento” com achados verbais e de fluidez elogiável.

Vale citar algumas “pedras-de-toque” do livro, como ilustração dessa densidade poética: “tomar por exemplo o engaste da/moeda mais sórdida, dentre as trinta,/no centro do esquife negro”, “no prego/o terço/estremece/ao compasso/do coito”, “a lua embrionária/ainda pendurada num cílio/desta manhã”, “a candura atrai os animais/para a morte”, “a corda bamba da morte ensina:/o sorriso é um verso sem palavra/que, oculto, põe navalhas na retina/e se ao canto o palhaço se escalavra,/cômico em sua dor, morto na ideia,/sobrevive aos sorrisos da platéia”.

Retoque - O desafio de Henry Burnett, ao musicar os versos, especialmente os sonetos, era transformar em “melodia” (quer dizer, achados sonoros, “sentimento de música”, “êxtase musical”, por assim dizer) a “discursividade”, os enjabements, os versos longos: adensar, pela intensidade melódica, o que, nos poemas, já precisou vencer justamente o risco de soar “frouxo” ou prosaico. E Henry venceu admiravelmente o desafio.

O disco é melodioso, ritmado, “pop” e “MPB”, de sonoridade ao mesmo tempo moderna, delicada e até mesmo com uma pegada “rocker”, e aí conta a execução e participação nos arranjos da banda Clepsidra (Renato Torres, Arthur Kunz e Mauricio Panzera), que carreou para o trabalho o entrosamento e a sonoridade peculiar atingida ao longo dos anos.

O que se encontrará hoje no Schivasappa, portanto, é um encontro raro de artistas que desfrutam do seu auge: Paulo, ao vencer a maior antítese poética, a discursividade; Henry, que de certa forma se especializou em musicar poemas (de Edson Coelho, de Nietsche, de Fernando Pessoa) e, não por acaso, é pós-doutor em filosofia; e da banda Clepsidra, que agrega à sua pegada experimentalista leituras diretamente poéticas. Imperdível.




* Escritor e jornalista

segunda-feira, 26 de julho de 2010

FORTUNA CRÍTICA - ERNANI CHAVES - SOBRE RETRUQUE \ RETOQUE

“A madeira violácea do violão”: quando poesia e música se reencontram



Já houve um tempo em que canto e poesia, cantor e poeta, eram ditos pela mesma palavra, partícipes em conjunto, nos começos da história do ocidente, da relação entre o homem e o divino. Mas também, como o guardião da memória coletiva, o cantor-poeta se unia a um “declamador”, a um “rapsodo”, alguém que deambulando de cidade em cidade, na praça pública, recitava aqueles versos que lembravam aos presentes os feitos memoráveis dos heróis do passado. Estamos muito longe dessa época e talvez possamos apenas nos lembrar dela com um sentimento de nostalgia muito especial: a nostalgia do que não vivemos.

Entretanto, somos sempre interpelados pelas origens, como se elas se recusassem ao esquecimento absoluto. Acolher esta interpelação pode nos trazer certamente algum consolo, mas, talvez, o melhor acolhimento, neste caso, seja o de não perder de vista o presente “que hoje somos” e a distância que nos liga, mas que também nos separa das origens. Assim, diminuímos o risco, sempre à espreita, de transformarmos a tradição num peso que carregamos nos ombros, numa espécie de sagrado santuário coberto de relíquias que devemos honrar e venerar. Parte da cultura, a tradição, como já disse um célebre historiador, é uma “invenção”.
O projeto “Retoque” (extensão, complemento, mas também criação conjunta e de certo modo independente do projeto “Retruque”, com o qual Paulo Vieira ganhou a Bolsa de Criação Artística da Funarte, em 2009) contém diversos elementos que nos fazem remeter às questões acima mencionadas. Um poeta, Paulo Vieira, ele próprio um “rapsodo”, encontra um compositor-cantor, Henry Burnett e uma trupe de músicos, o Clepsidra, de Renato Torres, Mauricio Panzera e Arthur Kunz. Henry e o Clepsidra têm já uma longa história, uma longa trajetória em comum, de tal modo que, muitas vezes, é difícil pensá-los separados. Henry, em trabalho imediatamente anterior a este, já havia musicado poemas de outro poeta, Edson Coelho. As “afinidades eletivas” entre música e poesia na produção artística de Henry já estavam presentes, portanto, antes do encontro com Paulo Vieira.

Assim, se por um lado, a união entre música e poesia nos faz lembrar as origens de nossa cultura na Grécia Antiga, por outro lado, as intermitências da história deslocaram, radicalmente, as funções e atribuições dos diversos campos artísticos. Ou ainda, é necessário também pensar no aspecto específico, singular, que essas intermitências constituem, quando pensamos no Brasil, um tema e uma questão tão caras ao trabalho do Henry como professor e intelectual, de tal modo que, podemos arriscar dizer que uma das tradições de recente “invenção” entre nós, é de que entre música e poesia existe um liame forte e inquebrantável.

Mas, qual poesia e qual música? A poesia de Paulo Vieira é absolutamente grandiosa, o que o faz ser um dos mais importantes poetas brasileiros de sua geração. Neste livro, o quarto de sua ainda curta, mas intensa produção, Paulo é melhor, cada vez mais surpreendente, cada vez mais experimentador (existe maior experiência para um poeta atual do que escrever sonetos?), com um domínio cada vez maior do seu ofício. “História natural”, poema que ele mesmo declama no CD, é uma mostra do que Paulo entende como sendo o ofício do poeta, aquele que “se alimenta das carcaças”. Em “Idiomas esquecidos”, ele retoma a imagem baudelaireana do “albatroz”, em outro famoso poema das “Flores do Mal”, para confundir e fundir, no limite, o poeta, essa “ave abatida”, ao “papel”. Paulo, enfim, sabe que o poeta não é mais um “ser alado e sagrado”, ele tem essa aguda e desafiadora consciência de que o poeta é um “lutador” (outra vez Baudelaire), a esgrimir palavras e é dessa faina diária que ele retira a matéria do seu trabalho poético.


Mas, Henry, por sua vez, não adicionou simplesmente música aos poemas do Paulo. Ele os recriou e neste sentido, o Henry músico acaba também assumindo a função do poeta. Sua música, neste caso, é também poesia. Assim, “Refestelar”, poema no qual Paulo transforma a “rede” e o ato de “estar deitando na rede”, tão próximo de nós e tão presente na nossa famosa identidade cultural, em estado de êxtase a presidir o trabalho de criação e de reflexão, é recriado por Henry numa canção de ninar. Mas, é na “pegada” pop, que o trabalho de Henry mais me agrada. Aqui ele também vai surpreender os que o conhecem de seus trabalhos anteriores. “Pelas retinas” é, para mim, o ponto alto desse encontro radioso e feliz, a partir de um poema em que Paulo “canta” a odisséia dos “bêbados desgraçados”. Aqui, Henry abre os pulmões inteiramente e sua voz alcança alturas até então inimagináveis. E aí, então, os intrépidos garotos do “Clepsidra” fazem a festa, e acabam me levando, pelo “jogo estético”, a rodopiar, “no improviso do passo, na dança”, com diz o poema do Paulo, num misto de embriaguez e quiçá, de lucidez. “Retoque” é um oásis, tão necessário nesses tempos em que o cenário musical e cultural paraense é dominado por um deserto só.



Ernani Chaves é professor de filosofia da UFPA


Publicado no jornal O Liberal, 25 de julho de 2010

domingo, 25 de julho de 2010

quinta-feira, 15 de julho de 2010

A PRIMEIRA MATÉRIA SOBRE O LANÇAMENTO

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http://holofotevirtual.blogspot.com/ : Henry Burnett e Paulo Vieira preparam lançamento de Retruque/Retoque

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quarta-feira, 14 de julho de 2010

CELUzLOSE

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VEJAM LÁ, http://celuzlose.blogspot.com/, A REVISTA É SHOW

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NESTA EDIÇÃO

Entrevista
Ricardo Domeneck

BR.XXI - Literatura Brasileira Contemporânea
Érica Zíngano
Érico Nogueira
Floriano Martins
Lígia Dabul
Marcelo Hilsdorf Marotta
Mariel Reis
Paulo Vieira
Prisca Agustoni

GEO - Literatura sem Fronteiras
Anila Resuli (Albânia / Itália)
Fabiano Alborghetti (Itália / Suíça)
Stefano Raimondi (Itália)
Sylvia Beirute (Portugal)

Caderno Crítico
Elogio da síntese - por Carlos Felipe Moisés

O que é poesia?
Edson Cruz (Organizador)
Jairo Pereira
Joana Ruas
Nelson Guerra

BIO - Vida & Obra
Stéphane Mallarmé - por André Dick e Nicole Cristofalo

LÚCIDA RETINA - Poesia Visual
Arnaldo Antunes

SHOW DE LANÇAMENTO