quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

ALONSO ROCHA



foto (internet): o poeta alonso rocha no lançamento de seu último livro 
 


eu devia ter uns 19 ou 20 anos. escrevia feito um alucinado e estava concentrado nos primeiros desafios: compor quadras populares, as chamadas trovas. e foi assim que tive meu primeiro poeminha publicado num jornal da cidade, o extinto a província do pará, na coluna semanal do poeta alonso rocha. além de publicar meu poema, alonso me convidou em sua casa para o famoso suco de araçá da rita, sua sempre simpática esposa. nos tornamos bons amigos e alonso passou a ser o primeiro poeta ‘público’, digamos assim, a ler meus versos. e também eu lia os dele em nossos encontros.

com o passar dos anos a vida nos afastou e os contatos ficaram raros. mas sempre que nos víamos alonso reclamava, não sem estardalhaço, por meu sumiço e cobrava novas visitas.  em dezembro passado estive com ele, para uma conversa rápida, coisa que com alonso sempre foi praticamente impossível, pois ele sempre conseguia ser ainda mais falador do que eu. enfim, depois, por telefone,  marcamos um reencontro para o dia 19 de fevereiro, mas uns dias antes ele foi internado em estado grave e se foi ontem. ainda ao telefone, na última conversa, me disse “rapaz, eu não esqueci que você ficou me devendo um poema para o meu caderno de visitantes, lembre-se que até a foto para o caderno nós já tiramos em dezembro, não me enrola.. cadê o poema...?”.  eu não falei pra ele mas já havia escrito o poema em janeiro. não deu tempo de entregar.

alonso foi um dos poucos sobrevivente do parnasianismo puro, sentia algum orgulho nisso, e era para sentir mesmo, num tempo em que certos poetas sem vergonha, sob a couraça de modernos, têm a covardia de condenar até mesmo a rima, mas nem se tocam que metem os pés pelas mãos em seus comportamentos ultra-idiossincráticos (meu eufemismo para "confusos pra car&;*#lho") e sequer sabem fazer um verso cantar sem desentoar / destoar. alonso acreditou e viveu, condições mínimas para conseguir comprar algumas doses do raro ópio da felicidade. com sua morte, pouco tempo depois da morte de seu primo max martins, a cidade ficou ainda mais esmaecida para mim, feito uma perdida paisagem numa foto empoeirada caída por trás de uma cômoda imóvel.

a seguir um poema dele, alonso, autor de pelas mãos do vento (1954) e o tempo e o canto (2010).



BREVE TEMPO

Se me queres amar ama-me nesta hora
enquanto fruto dando-te a semente.
Se te apraz me louvar louva-me agora
quando do teu louvor vivo carente.
Aprende a te doar antes que a aurora
mude nas cores cinza do poente.
Se precisas chorar debruça e chora
hoje que o meu regaço é doce e quente.
A vida é breve dança sobre arame.
Sorve teu cálice antes que derrame
ninho vazio que o vento derrubou.
Porque quando eu cair num dia incerto
parado o coração o olhar deserto
nem mesmo eu saberei que já não sou.
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