quarta-feira, 14 de maio de 2008

MAIS FORTUNA CRÍTICA - GUTEMBERGUE GUERRA

com vegetable (parceirinho 100 %), by supertramp

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WORKDIAS

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Professor de português no ginásio, com a voz metálica, bradava, como quem arremessa uma sentença: texto bom é aquele que nos chama para a briga, que nos provoca! Guardei a lembrança do mestre de cabeça chata e da voz de araponga a frase imperativa. A ausência de maiúsculas na poesia de Paulo Vieira subverte a ordem gramatical, sem que isto prejudique em nada o sentido que vai se impondo na leitura. Ou melhor, a nova ordem provoca múltiplas interpretações e sentimentos, e nisso se compraz o poeta, comprometido com o remexer no lodaçal de onde brotam lírios e odores malsãos, sem que se perceba. Orquídeas anarquistas, o livro, me chamou para a briga. Não a flor, que na lavra do engenheiro florestal me parecia decorrente desde o seu Infancia Vegetal, primeiro livro laureado pelo mesmo Instituto de Artes do Pará, que sagra as Orquídeas. Pelo adjetivo anarquista, sim, que promete como titulo, irreverências e revoluções, ação direta, rebeliões. Os versos vêm plantados como açoites, ora curtos, ora como se circunvoleassem para tombar precisos na folha exposta da consciência e memória atiçadas pelos sons, signos, símbolos que florescem no campo mágico do poeta. Não é do poeta a função de desordenar o sentimento, de soltá-lo na lapa do mundo, a se manifestar livre e questionar as rédeas que lhe queiram dar? Não é do poeta a função de libertar a palavra das cadeias que lhe queiram dar as normas? Não é do poeta o permitir que as palavras sejam mais do que um ajuntamento de letras? Não é do poeta, pois, cultivar orquídeas, essas flores raras de beleza e de presença efêmera?
Conheci Paulo Vieira como aluno do curso de Mestrado em Agriculturas Familiares e Desenvolvimento Sustentável, na Universidade Federal do Pará. Juntos, fizemos o exercício de escrever uma dissertação, ele autor, dentro dos marcos da ciência, respeitando todas as regras do método e do campo científico. Ali, o poeta foi enquadrado, ainda que houvesse vez em quando um laivo de poesia, um suspiro de literatura. Depois li Infância Vegetal e acompanhei à distancia, a revelação da veia poética e o seu desenvolvimento apoiado por Benedito Nunes e pela participação em grupos de expressão literária.
Orquídeas anarquistas me chegaram pedindo leitura e briga. Teve! A angústia do ser humano é vencer a dor e a morte. A consciência desse drama se potencializa no poeta que se imuniza imortalizando-se pelo sopro da palavra. Esse conflito de vida e morte é freqüente na obra de Paulo Vieira e se expressa do inicio ao fim, quando recorre a Borges, e quando se faz representar criança, renascendo em uma ilha qualquer de Abaetetuba, terra do brinquedo, terra do nunca peterpaniano. O menino risonho que encima a biografia no fim do livro, é um gesto travesso do escritor que promete estar sempre presente, a despeito de tudo.
Cumpriu-se, comigo, o que o posfaciante profetizou: Orquídeas anarquistas continuam me obrigando a reler, gravitando siderado pelas palavras ordenadas em um estranha constelação. Há uma força que nos faz voltar às palavras, reinventando sentidos, ressentindo impressões. Quem quiser entender, que se arrisque!

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