terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

amanhecer

no quarto absorvo 
ao menos um pouco

as réstias da luz
que o dia produz

longe a noite movediça
agoniza e apaga
tudo
vermelhos
roxos
grandes lábios
e azuis

absorvo e sinto
ao menos um pouco

os desígnios da aurora
que ao pousar
nos devolve
distorcidas
luzes
cores
esmaecidas

desperto antes
da mimética manhã
luzir altiva
                       
tenho abóbadas
insônia nas salivas

mas que fazer do medo
quando os fantasmas
se aposentam?

abro a janela a custo
a velha teia onde o orvalho
mede o salto para o sol

a árvore mais fria que um muro
estrangula o desejo de cantar

pássaros em fuga não olham para trás

o dia não pensa em amanhecer
eu penso em não pensar mais em você

o quintal só acorda
quando os pássaros voltarem

acordar é nascer do sono
nascer não é nenhum sonho

nem comecei o mundo
hoje e esse cansaço
essa vontade
contrária a tudo
a todo
princípio
como um Deus

arrependido
de inventar
o riso      
o ódio     
a espuma
mas não o mar
tão pouco a boca
que

embora imensa
nunca abarca
tudo quanto
o desejo
pensa

(daí a invenção da mão
desajeitada e ansiosa
feito a boca 
que complementa)

um Deus que não atina que ignora
esse gesto – amanhecer
e não sabe se hoje vai dar praia
ou se vai chover

porque, sendo Deus, sabe
que não há
como saber



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Paulo Vieira

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