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foi ontem, na ufpa, ao sol da manhã, recebi meu presente de aniversário antecipado. e não lembro de alguma vez ter recebido presente melhor. fiquei um pouco sem graça, e nem preciso confessar, era possível ver na minha cara. como a amiga, já de mais de meia década, a poeta e professora giselle ribeiro constatou talvez com espanto, pois para ela sempre fui o “menino apresentado” como dizia a velhavó, alzira. e giselle tem razão, não recordo de uma vez sequer que o tema em nossa pequena roda de amigos, de um jeito ou de outro, não fosse a poesia falada.
confesso agora: até mesmo eu me espantei desse “não saber bem o que dizer”. é que diante do auditório lotado, contagiado pela alegria desses estudantes maravilhosos, pela sua juventude, pela infância trazida de volta, naquela tarefa deles que mais parecia um compromisso puro e simples com o prazer e a procura de sentido e conforto para a vida, contagiado por tudo isso eu ficava me dizendo: “nossa! o pablo tinha que ver isso... e também a mãe do pablo e também o meu pai, cujo rosto se apagou em qualquer verso que nunca acertei escrever...”.
queria que essas pessoas pudessem enxergar nesses dias difíceis como é digno o meu trabalho, como é valioso e importante, ainda que sob o sol de hoje cifrões sejam convertidos em estrelas. queria que eles vissem e reconhecessem isso, não que eles não reconheçam de alguma forma, mas a dureza e a aspereza dos dias enrijece tudo em volta, e às vezes eu mesmo preciso lembrar de acreditar nisso: a poesia é o chão de um quintal onde me escondo a desenhar declarações de amor pela família, pela cidade, pelas árvores, rios, amigos e outros bichos.
me lembro que certa vez, num sarau, um escritor que respeito muito botou a mão no meu ombro, e meu coração estava quase saindo pela boca, porque já era a minha vez de dizer poema, e o poema que eu planejava era de f. pessoa, um poemaço! daí, com a mão no meu ombro ele disse “rapaz, ser poeta é ser menos poeta...”. achou que eu estava me exibindo, e de certo modo eu também achei o mesmo. aquilo me deixou tonto, fui falar já meio desinteressado. e saí pensando que era demais, então, escrever os versos e ainda falar poemas, saí pensado isso e outras tolices. não parei de dizer poemas, mas passei a evitar dizer ao menos os meus em público.
é um mero acaso eu escrever poemas e também, como rapsodo, dizê-los, faço essas duas coisas simplesmente porque me sinto obrigado a fazê-las. é meu dever, intransferível. é o que eu diria hoje ao admirável escritor.
mas que bom: giselle tanto insistiu comigo para, como nos velhos tempos, ouvir os poemas, que acabei me tornando ontem de manhã, cheio de honra, mais um daqueles estudantes felizes. é isso: ontem eu fui um estudante feliz.
ah, e para o leitor cult, o intelectual dos manuais, que ao fim desse texto pode estar pensando coisas como "quanta sentimentalidade, poesia não é isso!" e blá blá blá. concordo, isso aqui não é poesia, não. poesia foi ontem de manhã...
iv sarau de poesia
'de negrume o besouro brilha'
estudantes de letras da ufpa
disciplina teoria do texto poético
idealização: prof. giselle ribeiro
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(o sarau foi baseado nos livros 'infância vegetal' (2004),
'orquídeias anarquistas' (2007) e 'retruque' (2010) de paulo vieira)