Assim que Haroldo, filho do poeta paraense Jurandyr Bezerra, me avisou, semana passada, do falecimento do pai no Rio de Janeiro, escrevi o texto "Um pássaro sem limites" e enviei a alguns jornais de Belém. Hoje saiu no Diário do Pará, uma matéria, basta clicar no link JURANDYR BEZERRA - DIÁRIO DO PARÁ (o crédito da foto, não dado, é meu).
É claro que também não publicaram meu texto, apenas meia página foi dedicada ao poeta e a outra metade legada a uma propaganda de venda de apartamentos em 600 vezes. Afinal, como uma análise crítica, ainda que breve, de um poeta fundamental e desconhecido, de Belém, vai concorrer com a possibilidade da casa própria em 900 vezes?. Por isso, publico aqui, para vocês, meu texto sobre o poeta Jurandyr Bezerra. E logo em seguida a ótima matéria de Bianca Levy do Diário do Pará.
Um abraço,
UM PÁSSARO SEM LIMITES
Ontem, dia 28 de maio, o poeta Jurandyr Bezerra fez seu derradeiro voo. Voo sem limites, como sua poesia, para os campos do mistério. Internado num hospital carioca com a saúde extremamente fragilizada, devido a uma complicação pulmonar, mas ainda bastante lúcido ao dar entrada no CTI, o poeta não resistiu.
Jurandyr nasceu em Belém, em 1928, onde ainda adolescente, junto com outros garotos como Benedito Nunes, Max Martins, Alonso Rocha e Haroldo Maranhão, começou a lutar com palavras. Depois mudou-se para o Rio de Janeiro e lá viveu e criou a bonita família Bezerra. Mas em surdina, ao longo do último meio século, o artista mais tímido e humilde que já conheci, construiu uma obra poética sólida e em sua maior parte ainda inédita.
Os limites do pássaro (1993, Ed. Cejup) foi o único livro publicado por esse poeta de verve altamente surrealista, cujos poemas impressionaram Carlos Drummond de Andrade e Antonio Olinto. Jurandyr construía versos com um estranho equilíbrio interno, o que resultou em poemas onde delírio e lirismo se casam de modo incomum nas imagens: “Vem chegando / a alegria de teu corpo / azul / verde / vermelho / para que o canto dos rins / seja teu hálito / chamo o pássaro e a flor. / E bebo tua boca / infinita e imponderável, / conduzindo-te ao mar / onde tua língua é uma festa”.
Uma irremediável loucura atravessa essa poética que na leitura nos toma sem alarde, criando um ambiente de mansidão e desventura “E quando pensei / que eu era uma fonte, / tu passaste / de cântaro / à cabeça...”, para, no meio do voo, nos golpear as entranhas “As auroras / construídas à noite / tinham um pedaço / de sua boca”. Há na poesia de Jurandyr um ritmo alucinado de marés arrebentando rochedos em contraste aos silêncios que improvisam a mais funda solidão dos voos.
Palavra
ou cicatriz,
a solidão
é um fruto
que o pássaro
não quis.
Imagens precisas e insólitas alternam-se entre segredos e “aleluias”. O céu visto do mar, o mar visto do céu pelo pássaro que, sabendo transpor distâncias com auxílio de asas silentes, guardava nas retinas os itinerários das palavras que o alimentavam. Jurandyr era um leitor de gosto aguçado e um sonhador sem limites. Olhar de criança envergonhada, em fevereiro desse ano, na sala de sua casa no Rio, o poeta me falava da potência e efeito da poesia de Wiliam Black sobre as atuais gerações de poetas e que um dia gostaria de conhecer o céu.
- “Mas não depois de morto, quero conhecer o céu ainda vivo, depois de morto não interessa”, disse.
- “Você é louco, um surrealista grandioso e louco?”, indaguei.
- “Fico feliz de você me chamar assim... eu gostaria muito de ser o que você disse”.
Poema nº 6
As moléculas
da água do mar
contêm tua nudez
e os desígnios da chama
e o ouro invisível
que flutua
nas divididas conchas.
Uma gota de sal
agônica
desprende-se do oceano
e abraça
a quilha de salgueiro
de teu corpo.
Aleluia!
Paulo Vieira,
são Paulo, 29.05.201
são Paulo, 29.05.201
Assista no youtube ao vídeo
de Jurandyr Bezerra que produzi
em março de 2013, aqui:
UM PÁSSARO SEM LIMITES
de Jurandyr Bezerra que produzi
em março de 2013, aqui:
UM PÁSSARO SEM LIMITES
5 comentários:
Belo texto. Fiquei triste com a notícia.
Paulo, acabei de postar teu texto homenagem ao Jurandyr Bezerra, ao grupo do Cultura Pará no facebook.
E junto postei a foto da matéria do Diário. Grande abraço.
Paulo, irmão,
"o céu visto do mar, o mar visto do céu". Tuas palavras, esfinge desse pássaro invisível que seguirá voando entre nossos sonhos e quimeras.
Parabéns! Belíssimo texto.
Tornaste tudo mais segredo.
Abraços e acesas saudades,
Daniel Leite
Boa noite,amigo Paulo Vieira
Seu texto expresso com o coração, mostra que tens a sabedoria de poucos e a capacidade de verbalizar a análise da poesia de jurandyr Bezerra, assim como revelar a pessoa maravilhosa que deixou para todos seus ensinamentos.
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