terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

GOSTO MUSICAOS

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gosto musicaos

a música na quarta
capa do silêncio

bach é pura bossa
stravinsky é rock’n’roll

leigo
ouço
meigo
patinho que é
o som do oboé

veja
não vejo
assim tanta
diferença

no erudito o folk
                    desvelo
cordas de banjo
no violoncelo





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paulo vieira



quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

POEMA EM SILÊNCIO



beiro o silêncio
enquanto o cheiro
 da morte
acende esta poeira
de sombras
que me adivinha
insone

vontade de correr
num parque
em são paulo
de comer menos
       e nunca
depois das 6

lembro de você
no dia
em que nos conhecemos
sua juventude
saltava pra me seduzir

beiro o arrependimento
mas me entretenho

tudo vale a pena
amor ódio poema

e essa inconsequência
que sempre me fode

mudo de cidade
esqueço tanta gente
especialmente
                nomes

   mas os rostos
também se apagam
porque a sombra
exige insumo

beiro a solidão
enquanto imagino
o gosto da palha
que envolvia o fumo



sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

MIRANDO O MAR




nunca levei a morte a sério enquanto
praticava o lento suicídio

[céu ansiolítico 
da boca
de sereias
e outros seres
antissociais]

suicidar-se devagar é vantajoso
dá pra roer o próprio osso
e se lamber feito um
cão sem patas 


mesclar tinta e sangue repensar
o verso jamais a ferida
envenenar o orvalho
arrepender-se de nada

aos bocejos de tédio
recolocar o pino
da granada

fazer roleta russa
uma vez por mês

nunca levei a morte a sério e agora
o suicídio vai
no piloto automático
mirando o mar



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Paulo Vieira

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FACEBOOK

      

outra vez descer pela encosta
ombro escarpado do gigante
depois do 4º ou 5º adeus
e cair num diário
sem capa nem miolo

onde mil e trezentos
ou mais cadáveres tolos
se acotovelam
entre escombros

enquanto um zumbi gargalha kkkkk
do topo da montanha
de lixo insular

chorume, emotionsurina, sangue
de um spoiler, corpinhos nus
destroçados, inexorável
felicidade nos ossos
moídos das faces
irascíveis por pouco
inconfundíveis

abarrotando a timeline da solidão

vozes vazias de mortos que,
aos berros ou sem euforia,
denunciam curtem
e compartilham
selfies, desgraças,
ódios, alegrias


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Paulo Vieira

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terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

amanhecer

no quarto absorvo 
ao menos um pouco

as réstias da luz
que o dia produz

longe a noite movediça
agoniza e apaga
tudo
vermelhos
roxos
grandes lábios
e azuis

absorvo e sinto
ao menos um pouco

os desígnios da aurora
que ao pousar
nos devolve
distorcidas
luzes
cores
esmaecidas

desperto antes
da mimética manhã
luzir altiva
                       
tenho abóbadas
insônia nas salivas

mas que fazer do medo
quando os fantasmas
se aposentam?

abro a janela a custo
a velha teia onde o orvalho
mede o salto para o sol

a árvore mais fria que um muro
estrangula o desejo de cantar

pássaros em fuga não olham para trás

o dia não pensa em amanhecer
eu penso em não pensar mais em você

o quintal só acorda
quando os pássaros voltarem

acordar é nascer do sono
nascer não é nenhum sonho

nem comecei o mundo
hoje e esse cansaço
essa vontade
contrária a tudo
a todo
princípio
como um Deus

arrependido
de inventar
o riso      
o ódio     
a espuma
mas não o mar
tão pouco a boca
que

embora imensa
nunca abarca
tudo quanto
o desejo
pensa

(daí a invenção da mão
desajeitada e ansiosa
feito a boca 
que complementa)

um Deus que não atina que ignora
esse gesto – amanhecer
e não sabe se hoje vai dar praia
ou se vai chover

porque, sendo Deus, sabe
que não há
como saber



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Paulo Vieira

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