sexta-feira, 18 de junho de 2010

...

.
.


dizem que chora e pergunta por mim, que até acorda dentro da noite interminável da infância e me tateia na ideia. dizem que sonha e murmura meu nome. faço de tudo para ele não me odiar. se ao menos soubesse onde estou. se soubesse que a distância entre nós é um rio aberto com a chuva de um mesmo céu. se soubesse tudo o que não sei do amor. se o telefone não mentisse - essa falsa alegria de sentir perto quem está longe. por isso, ainda prefiro as cartas ao telefone. receber uma carta é melhor do que ouvir uma voz sem ver o rosto. escrever uma carta é como cheirar os cabelos dele. uma carta começa antes mesmo da primeira linha, quando se respira fundamente procurando a palavra mais carinhosa, quando a máquina de plástico na mão direita injeta nosso próprio sangue nas letras das palavras. escrever uma carta para ele é o mesmo que trazê-lo de volta. escrevi uma dias atrás, e hoje esboçei outra. dizem que choro e pergunto por ele, que até acordo dentro da noite interminável da tristeza e tateio seu rosto na ideia. dizem que sonho e murmuro seu nome.

.
.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

APARIÇÃO NUM CAFÉ


vieira by detran


.



os cabelos pretos lisos já foram maiores. tocavam as omoplatas. e toda chuva era dança entre os fios, esconderijo e gangorra. agora, uma pólvora nas pontas eriçadas, agulhas apontadas para o sol. passou por trás de mim enquanto eu tomava um café com chocolate muito amargo. não me movi, fiquei tal qual a mão de um morto, mesmo assim deu para ver todos os detalhes no ar projetado por seu andar com pressa. havia digitais em todos os fragmentos daquele perfume. respirei sua infância e a moça diante de mim também respirou, em seguida fez uma cara de cattleya e deixou-se tombar sobre a mesa que derreteu ao toque de seu queixo de corola. num gesto rápido consegui salvar meu café. tudo amolecia com essa aparição. paguei a conta e as moedas escorriam pela mão da garçonete, molhavam o antebraço. sai antes de os sapatos virarem poças. voltei para o hotel por uma rua incolor, feito as nervuras da mão de uma criança.


.