quarta-feira, 25 de julho de 2007

CASO DO ESTUPRO

cobra de miriti by paulo vieira
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pôs o revólver na cabeça da pequena e disse:

- vai tirando tudo, tudinho. e sem choro,
ou te meto uma bala no meio da cara.

rendida, ela obedecia quase sem espanto,
fria como um estuprador.

pronto. logo estava nua em pêlo.

o tarado desconcerta-se um pouco
com tamanha cooperacão e anuncia
que vai maltratá-la, pô-la de quatro,
lambuzar-se, cuspir na cara,
morder os mamilos...

ela, tranquila, como se quisesse
resolver logo tudo e ir-se pra casa.

frente a tamanha resignação
e calma o pobre, indefeso,
pervertido queda-se derrotado.

mas num ímpeto de desespero,
o envergonhado estuprador
engatilha a arma e aponta
pra nuca da vítima
(nuca macia, jeitosa,
de pelinhos dourados).

daí ela quebra o silêncio
de dama e diz com voz
irônica, quase se rindo:

- agora vai querer me matar
pra nao saberem por ai
que o coitadinho
não deu conta. não é?
se encherga rapaz!

empurra o revólver
e começa a vestir-se.
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paulo vieira

IDENTIDADE

sabiá e uirapuru de miriti by paulo vieira



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e quando finalmente
o rosto apartou-se da máscara

olharam-se friamente
rosto e máscara
frente a frente

a se perguntarem

:quem é quem





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paulo vieira

FAJUTO TRADUTOR

me arrisquei a traduzir dois poemas do bom j. prévert, com meu pouquinho (assim bem zinho) conhecimento de francês... vejam lá.

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com os atores alessandra nogueira e carlos vera cruz, no sarau jokerman, em belém
by jokerman





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on frappe

qui est là
personne

c'est simplement mon coeur qui bat
qui bat très fort

a cause de toi
mais dehors

la petit main de bronze sur la porte de bois

ne bouge pas
ne remue pas

ne remue pas seulement le petit bout du doigt





**** ****




no frio

?quem está aí
ninguém

é simplesmente meu coração que bate
que bate muito forte

por causa de ti
mas do lado de fora

a pequenina mão de bronze sobre a porta de madeira
não se mexe
não move-se

não mexe sequer a pequena ponta do dedo






*** ****






le lézard

le lézard de l’amour
s’est enfoui encore une fois
et m’a laissé sa queue entre
les doigts
c’est bien fait
j’avais voulu lê garder
pour moi


*** ***


o lagarto

o lagarto do amor
fugiu mais uma vez
e me deixou o rabo
preso entre os dedos
é melhor assim
pois eu iria querê-lo
somente para mim

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j. prévert by paulo vieira

COTIDIANO

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ela foi ao analista:


- esse troço de amar demais, doutor,
ainda vai me matar, me dê uma luz...

então o doutor, fazendo sua lista da feira,
enquanto a coitada chiava,
lembrou que inda faltava comprar
aquele remédio pra sua mãe

de 79, que estava toda encatarrada
e que mais dia menos dia
ia bater as botas e deixar
de dar tanto trabalho.
e finalmente ele entraria
em casa e não veria mais
as imundícies da velha pelo chão e...

- doutor.

- ah sim, claro! você precisa se encontrar.
amar a si mesma antes de todo o resto e...
opa! seu tempo acabou.


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paulo vieira

quinta-feira, 19 de julho de 2007

O PULO DO GATO

henri cartier-bresson
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quando não houver motivos para ficar e nem razões para partir, olhe para aquela fotografia que tanto te apraz. e logo saberás que ela é uma ponte de papel a te levar e trazer, sem tristezas ou remorsos, dessa paisagem presente para uma outra, cuja nascente está em um tempo que não é longe, mas eterno. contudo, a pergunta inevitável é: como isso acontece? pode-se dizer, como se diz um segredo, que é simples feito um passe de imagética mágica.
no entanto, o artista da imagem deve ter um clique preciso e suave, tal como o pulo de um gato. eis o momento certo da captura de um instante que o liberta, a luz alucinante cheia de verdade e justiça para com o que está do outro lado da câmera, a tela perfeita que ninguém pintou, mas que está lá, diante da lente, viajando na velocidade da arte e perdida para todo o sempre; ou pelo menos até que encontre o seu autor perfeito.
essa precisão, ou melhor, essa impressão sobre-humana frente o que é belo e fugaz, é atributo apenas legado ao bom fotógrafo que, devidamente fora do foco central, torna-se um pequeno deus, simples e bom, a retratar, sem saber, suas próprias retinas ante a cena.
enquanto prossegue esse trabalho, em silêncio, os papéis de fotógrafo e de matéria fotografada se invertem, como em um giro rápido de espelhos, voltando a si num piscar de olhos.
é nessa interminável hora que podemos ver na fotografia, além da paisagem retratada, cheia de significados e acontecimentos, o seu inverso, o fotógrafo, cheio de desejos e sentimentos para mostrar ao mundo.
paulo vieira

COM ESTA FLOR

escrevi 'com esta flor' em 2005, e em 2006 o poema figurou como minha primeira publicação em uma revista eletronica bacana. foi na 'máquina do mundo' que o publiquei, convidado pelo fabro carpinejar. eis o poema agora filado da máquina direto pra cá.
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com esta flor nas mãos vazias
trazida de uma cratera íntima
me distraio neste pátio sitiado
por 1 jarro vazio e 3 navios de batalha

sigo assim provando a sorte

bem me quer mal me quer
bem me quer mal...

e me vejo aos 26
(em plena cegueira dos dias)
a brincar de sondar teu querer

tudo isso seria risível ou patético ou sei lá
não fossem de sangue essas pétalas

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paulo vieira





PESQUISA DA UNB SOBRE POESIA NO NORTE

o trecho a seguir foi extraído da revista época. repare que há referência à pesquisa desenvolvida pela UNb sobre poesia contemporânea por regiões do Brasil. pois bem, a cientista mayra brito, da UNb, esteve em belém recentemente para apresentar parte de sua pesquisa sobre a região norte. e como tive a alegria de ser um dos escolhidos para a pesquisa, nos encontramos algumas vezes, e num desses encontros levei-a para conhecer um amigo...

a pesquisadora mayra brito da UNb, com o primo e benedito nunes, em belém
by paulo vieira

Youtube, podcast, myspace, o que vier: para os novos poetas, vale tudo para produzir e divulgar. "Um poeta jovem e pobre pode lambuzar-se de tanta poesia através da internet", diz Ricardo Domeneck, autor do recém-publicado "a cadela sem Logos" (7Letras/Cosac Naify).
Se lambuzam e se descobrem. Ou são descobertos. Época desta semana mostrou a influência da internet no surgimento de autores como Micheliny Verunschk, poeta de 35 anos indicada ao Prêmio Portugal Telecom em 2004. Depois de publicada, mergulhou de cabeça na rede: há um ano ela tem um blog onde posta rascunhos, avisos de eventos e discute poesia: http://ovelhapop.blogspot.com/.

Pop, aliás, é a cara da poesia hoje, que não tem medo desse tipo de referência. "A diferença da minha geração é que ela não se envergonha de ser pop", afirma Micheliny[...]


Os especialistas afirmam que não há como definir as escolas literárias atuais. "Os estilos particulares são a regra" diz Sylvia Cyntrão, professora do departamento de Literatura da Universidade de Brasília (UnB). Ela coordena o Grupo Poesia Contemporânea que conduz uma pesquisa baseada em 3 mil poemas escritos desde os anos 90. O levantamento já apurou que os temas de caráter existencial estão mais presentes que os de amor ou de protesto, por exemplo.
Os críticos concordam que, dentre a vasta produção, existem boas surpresas. "Há muitos poetas ótimos", avalia Italo Moriconi, autor de Como e Por que ler a poesia brasileira do Século XX (Objetiva). "Na poesia contemporânea, os sites, as revistas e os grupos performáticos geram poetas mais novos"[...]

Na internet, é difícil separar as produções de qualidade de publicações apressadas e que buscam apenas autopromoção, como lembra a poeta e blogueira Virna Teixeira. Para ela, "poesia é uma atividade que requer tempo e pés no chão". O tempo dirá quem se manterá de pé.

quarta-feira, 18 de julho de 2007

MARIJUANA

baía do guajará by paulo vieira



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marijuana


ela resguardava essas
mesmas pernas
frágeis e submersas
feito peixes sem lanternas
naufragados entre broncos
submarinos brancos

ela era menos sereia e seria
mais humana se entre os troncos
lodosos dessas perdidas quimeras
não me abandonasse à mercê da enguia
assustadora de costas ásperas

ela detinha as barbatanas
para não perder a força
dormia e acordava entre humanas
anêmonas de camurça

ela não era de alga
e lembro-me, surpreso, sua forma
que, quanto mais perto, mais vaga
deixava um rastro sem alma
atravessado na garganta da água







paulo vieira

sexta-feira, 13 de julho de 2007

DIZ-QUE EM BEJA EU TE BEIJO E TU ME BEJA

by thiara fernandes

BAR NA PRAIA DE BEJA, ABAETETUBA, PARÁ

by paulo vieira

ENTRE VISTAS

em maio passado dei uma entrevista ao portal cultura aqui em belém. transcrevi um trecho da entrevista para cá. caso interesse leia a entrevista completa clicando em http://portalcultura.com.br/ , depois é só ir em janela cultura, e finalmente clicar em entrevista. sim, sim, pode tomar uma kaiser antes.

portal cultura- O que te despertou para a poesia?


paulo vieira - O sono do mundo, talvez. Para despertar é preciso estar dormindo. Lembro que desde menino me havia algo corroendo por dentro, e mesmo hoje ainda há. Eu sentia uma espécie de raiva muito rara, que em poucos meninos vi. Era um completo desajeitado e me sentia diferente dos outros meninos, nem melhor, nem pior, apenas mais triste e solitário. Eu já sabia o que era a solidão, nasci sabendo. E logo veio esse desejo de fuga que nos lança bem no meio da guerra. E tive então as primeiras notícias da morte e do amor. Lembro que foi assim: entrei numa biblioteca pela primeira vez, a porta estava aberta, e não entrei porque fossem os livros atraentes ou por qualquer chamado, entrei porque vi uma menina linda entrando. Lá dentro ela sumiu, eu devia ter 14, e nunca tinha entrado numa biblioteca, não venho de família que cultivava livros, mas de família que cultivava milho, feijão, arroz. Família de agricultores. Depois que a perdi de vista, vi em cima de uma mesa um livro aberto, com textos em forma de verso, e comentários sucessivos, era um velho livro de poesia comentada, eu acho. Então li dentro de uma caixa de textos algo mais ou menos assim " cachorrinho puldo branco desaparecido, quando sumiu estava usando roupinha rósea, laçinho e coleira, garantimos excelente recompensa, a quem nos der qualquer pista. Seus donos estão inconsoláveis..." E vinha junto na seqüência "menino de rua desnutrido e vestido com trapos velhos encontra cachorrinho puldo". Fui uma página adiante e li um poema em que era descrita uma sereia de lábios azuis, nunca esqueci dela. Até hoje sonho com ela. Não sei quem era o autor do livro, e isso nunca fez diferença. Saí daquela biblioteca assim que terminei de ler o poema, eu estava iniciado em poesia. Daí em diante continuei matando aula, escondendo os boletins recheados de notas vermelhas e brigando na escola. Vez por outra escrevia um poema.

DIGESTIVO SBPS






aconteceu aqui em belém de 8 a 13 de julho agora a 59ª reunião anual da sbpc - sociedade brasileira para o progresso da ciência. em meio a vasta programação (de alto nível, diga-se) encontrei um minicurso com título fascinante:





PORQUE O ESTOMAGO NÃO SE DIGERE?



pode?




quinta-feira, 12 de julho de 2007

CENA DE MEU PRIMEIRO LIVRO, INFÂNCIA VEGETAL



achei a máquina nas ruínas do engenho murutucum, em belém. quando a encontrei, sapos escreviam cartas de amor...

lembrei da música "meu coração é uma máquina de escrever..."

o dos sapos também deve ser.

LOS HERMANITOS


O último show do Los Hermanos, na Fundição Progresso, em meados de junho, foi atípico. Em geral, bandas de rock terminam disparando farpas para todos os lados – sem nenhuma possibilidade de reconciliação. No caso do Los Hermanos, foi uma separação amigável, não litigiosa, mas sem que grandes motivos – do por quê – fossem revelados. Assim, a banda encenou o próprio réquiem – como se Mozart, por exemplo, regesse no próprio funeral (ainda que haja as alegorias do filme de Milos Forman – infundadas, de acordo com os historiadores da música). Além do anticlímax do acontecimento em si, no último show do Los Hermanos, houve, claro, o anticlímax de tocar “Anna Julia” (segundo Rodrigo Amarante – sob pressão de um repórter insistente no YouTube – aquela música que... eles “sempre” nunca tocam. Ou, nem sempre). Por mais que fosse uma despedida, Camelo e Amarante se vestiram como para uma noite de gala – o primeiro de paletó preto e o segundo de paletó branco. Com sorrisos contidos e calmos, Marcelo Camelo era aquele da dupla que não estava chateado (de paixão nova? de projetos encaminhados? de vida batendo à porta?). Já Rodrigo Amarante parecia tentar se concentrar na performance, embora se pudesse quase apostar que, a cada novo número, ele estava à beira das lágrimas. Camelo, em algum momento, correu para o lado de Amarante e fez-lhe um afago nas costas, no meio de um solo de guitarra, enquanto os dois tocavam. Como se quisesse resumir todo o sentimento numa frase: “Rodrigo, não fica chateado”. Barba, à bateria, bem possivelmente chorava – mas o público não conseguia alcançar seus olhos. E Bruno estava, como sempre, anestesiado, aos teclados. Ouviram-se promessas de que esses dois últimos shows, no Rio de Janeiro, vão virar CD e DVD, como hoje é automaticamente “de praxe”. Mas a promessa não conseguiu aplacar a sensação de perda no ar; e muito menos dirimiu as dúvidas sobre o futuro dos ex-membros do conjunto. Por enquanto, apenas a pausa. Ou Amarante, brilhando meio opaco, na Orquestra Imperial...

(colado de digestivo cultural)

quarta-feira, 11 de julho de 2007

CONSTANTINO TEMPO

só agora vejo que tudo começou errado
e mesmo assim foi dando certo
dando certo, até demais, que o passado
eu já não queria para trás, mas aqui perto

de nós, entre nós, feito o presente que se espanta
ao sentir o vulto inevitável do futuro e sua beleza
escorrendo no corpo, invadindo a garganta
que engendra as sobras deliciosas da mesa

do passado, outrora farta, cheia de iguarias,
e vem gotejar em nossas bocas tardias
gotas adocicadas de tempo antes que toda força
em nós seja finada como o presente que se passa

paulo vieira


henri cartier-bresson